Legados da palmatória
Meus primeiros anos na escola foram em Atenas na Grécia.
Entrei para o primário com cinco anos de idade e lembro como se fosse hoje, minha mãe me deixando na porta da escola e dentro, já no pátio, dezenas de crianças brincando, correndo, tinha uns dois triciclos também… e enfim, muita alegria de criança.
Minhas irmãs já tinham estudado na mesma escola e eu conhecia bem as histórias com os professores severos e outros mais bonzinhos, mas uma coisa era certa, não só nessa escola e sim no sistema educacional grego como um todo: Havia a palmatória.
Era normal apanhar em sala de aula, no pátio e onde quer que fosse.
Hoje escrevendo isso me parece absurdo, mas quando você cresce dentro de uma cultura que tem algumas coisas desse tipo dentro e fora de casa, você não tem condição de julgar, uma vez que faz parte e como criança, só fui saber que isso somente acontecia na Grécia, quando voltamos para o Brasil em 74.
Eu sou brasileiro, nasci em São Paulo, sou filho de imigrantes gregos, que decidiram retornar para a Grécia quando eu tinha 2 anos de idade. Assim morei na Grécia dos meus 2 aos 10 anos de idade e lá me alfabetizei.
O nome da minha escola era Melissa e ficava a quatro quadras da nossa casa no bairro da Kalithea em Atenas.
Minha infância foi maravilhosa, vista daqui, somente tenho excelentes lembranças com a minha familia, meus amigos e com o lugar, com as praias, enfim.
Mas passadas algumas décadas, procurei no baú das minhas memórias a origem da minha educação escolar e percebi o quanto a palmatória influenciou meu jeito de ver o mundo.
A palmatória era feita com uma régua de madeira, um pedaço de pau para ser mais preciso, de uns 40 cm de comprimento, uns 5 cm de largura por 1 cm de grossura, aproximadamente.
Esse “instrumento educativo” ficava nas mãos dos professores, bedéis e diretora.
Quase todo dia, eu apanhava.
Havia regras muito rígidas e um código de conduta claro. Por exemplo, não podia correr e brincar de pega-pega no recreio. Isso porque muitas crianças se machucavam correndo. Então correr era proibido.
Pois bem, antes de voltar à sala de aula durante os recreios, as classes eram perfiladas e um dos professores passava pelas fileiras e mandava os alunos suados irem para a frente.
Chegando lá faziam uma fila e um a um apanhavam.
A palmatória consistia em estender ambas as mãos com as palmas para cima e tomar cacetadas na palma com essa régua de madeira. Dependendo do castigo poderiam ser três em cada mão, cinco até dez cacetadas.
As mãos ficavam vermelhas, doia muito, no frio então, parecia que os ossos estavam rachados.
Uns choravam com a dor, outros aguentavam firmes e outros consideravam normal, apanhar fazia parte, assim como ir ao bebedouro tomar uns goles de água.
Em sala de aula, os motivos para apanhar eram não prestar atenção ao professor e errar nas perguntas.
O professor perguntava: Qual é a altura do monte Olimpo, Pedro?
Se Pedro não soubesse, tomava umas cacetadas.
Lembro de uma aluna que foi chamada à lousa para escrever um ditado. A cada erro gramatical que ela cometia tomava umas reguadas na parte de trás dos joelhos.
Amigo e amiga… isso dói.
E a criança apesar de apanhar continuava lá tentando acertar.
Outra vez, a professora chamava os alunos um a um na frente para fazer o recital de algum poema. Quando chegou minha vez, eu fui por debaixo das carteiras, me arrastando. Óbvio que quando cheguei lá na frente, meu uniforme estava sujo e adivinha se recitei apanhando ou não. Não só apanhei mas também tinha que declarar o poema. Uma estrofe, uma palmada, uma estrofe, uma palmada…
Muitos professores perdiam a cabeça com alguns alunos e davam de mão aberta na cabeça, nas costas e na cara também. Não era comum, mas ser esbofeteado fazia parte do todo.
Escrevendo assim parece tudo muito horrível, mas acredite em mim, na época era normal. Todo mundo apanhava.
Você acaba aprendendo que independentemente do que faça, vai apanhar.
As notas lá iam de 0 a 10. O normal era tirar de 9 para cima. Tirar seis, sete oito era muito ruim.
Pois bem, em uma prova de história eu tirei 5,5. Estava lá em caneta vermelha, 5,5 no meu caderno.
Quando cheguei em casa peguei esse caderno e o joguei no armário de cima do meu guarda roupa.
Se minha mãe pedisse para ver eu diria que perdi e assim que tivesse a próxima nota que seria 10 (eu me viraria para tirar 10) ou mostraria as duas notas, assim não apanharia muito.
Mas ela achou o caderno antes disso e advinha. Apanhei.
Na Grécia, na minha época de criança, você apanhava.
Você ia bem na escola, mas poderia ir melhor? Apanhava.
Você tirava notas ruins? Apanhava. Errava nos ditados? Apanhava. Corria no recreio? Apanhava.
Quando viemos para o Brasil e soube que aqui não se batia na escola achei engraçado.
Como assim? Posso correr, errar umas perguntas, que tudo bem? Sim.
Entrei direto para o quinto ano aqui. Saí do quarto ano na Grécia para o quinto ano aqui.
Não sabia uma palavra de português. O diretor da escola, que era a EEPG Maestro Fabiano Louzano, na Vila Mariana, em São Paulo, decidiu com minha mãe que eu iria participar da classe com status de ouvinte, para pegar o idioma.
Os professores ditavam e eu tentando acompanhar, escrevia deixando lacunas no meu texto. Ao final da aula eu pedia ajuda ao professor para preencher as palavras que não tinha entendido.
Já no primeiro ano, fui o melhor aluno da classe. Não falo isso para minha glória e sim para expor que houve uma enorme correlação do sistema educativo grego com minha performance na escola aqui no Brasil.
Eu tinha no meu sistema operacional que se eu não fosse bem, a dor viria imediatamente. Então se vira nos 30 meu amigo.
Infelizmente eu demorei muitos anos para perceber que o mundo não rodava assim e eu exigia dos meus mais próximos a mesma postura e não a encontrava. Isso prejudicou em demasia muitos dos meus relacionamentos com familiares e principalmente subordinados e colegas de trabalho.
Depois fui corrigindo e hoje acredito que esteja ok com essa expectativa errada dos que me cercam.
Outro enorme legado que a palmatória me deixou foi lidar com o criticismo.
Acabei criando irrestrita intolerância por haters, críticos vazios e gente que tem raiva do mundo.
Quando você apanha para te educarem que o mundo te trará dor se você não faz o seu melhor, você acaba vendo os outros como algúem que vai te ajudar a ser melhor ou pior.
Assim como tambem voce adota uma postura de somar sempre à vida das pessoas.
Não que você instrumentalize as suas relações, mas você deve semprre somar à vida das pessoas e quando se deparar com uma que não traga nada para à mesa a não ser sua crítica vazia, deve ser catapultada.
Não gastar uma sinapse, pensando na crítica ou no crítico. Essa é regra geral.
Você acaba criando uma imunidade ao criticismo e coloca todo foco em fazer o seu melhor.
Afinal, não foi por isso que viemos para essa escola?