Desejo e necessidade

Estava no elevador quando vejo entrando uma figura conhecida de há muito tempo.

“Não acredito! Ronaaaaldo!”

“Stavros, cara, como está você?”

Éramos amigos desde 2009, ele como gerente comercial de um dos maiores grupos educacionais, a Estácio e eu tinha acabado de voltar à PaP depois de trabalhar por quase 3 anos para Editora Globo.

Não nos víamos há muitos anos, portanto.

“Como estão as coisas meu chapa?! O que anda fazendo por aqui?” Perguntou-me ele.

“Estou em tratativas para prestar serviços para X. Você está trabalhando aqui?”

“Sim amigo, desde 2015. Estou na controladoria.”

“E como é que está?”

“Vamos tomar um café? Você tem tempo?” Convidou-me ele.

A história era a seguinte:

Eu estava na minha oitava reunião para prestar um serviço de consultoria na área de fidelização de clientes para uma empresa de mídia, essa para a qual o Ronaldo estava trabalhando.

Estávamos em uma concorrência e agora restavam apenas duas empresas, entre elas a PaP Solutions.

Todo o processo era conduzido por um dos vice-presidentes.

As reuniões eram para afinar bem o escopo do trabalho e para compartilhar a nossa metodologia internamente, uma vez que ambas as empresas seriam contratadas, cada uma cuidando de uma parte do projeto.

Eu tinha dedicado até aquele momento umas 100 horas nesse projeto ao longo dos últimos 6 meses.

Pois bem, o Ronaldo, um dos controlers da empresa, mostrou-se surpreso ao ouvir esse meu histórico até então com a empresa.

– “Rapaz, eu tinha ouvido falar por cima desse projeto do pessoal de vendas, mas não sabia que tinha evoluído a esse ponto.” Comentou-me Ronaldo.

Como assim? Um projeto dessa magnitude, movimentado por um vice-presidente e a controladoria não sabe??

– “É… estamos há um bom tempinho trabalhando nisso” falei.

– “Olha Stavros… pela nossa amizade… Estamos passando por uma baita crise por aqui. O financeiro fechou todas as torneiras.. Não há recursos para investimento.”

– “Sim, mas é um vice-presidente que está conduzindo, será que ele não tem esse orçamento já garantido?” indaguei já sentindo que 100 horas de trabalho estavam descendo pelo ralo…

– “Duvido… muito difícil. Esse pessoal do marketing já trouxe várias ideias, estão fazendo o papel deles claro, foram contratados para isso, mas eu sei que grana não está saíndo para nada…”

Pronto. Estava enterrado o meu projeto.

E de fato ele estava morto. Tínhamos chegado até o contrato, estávamos definindo as últimas cláusulas, até que veio uma ordem de cima, para colocar tudo em stand by, em espera (ou seja, estava morto, realisticamente falando).

E assim foi, mas eu deveria ter aprendido antes.

Lembro que como gerente de marketing dos Laboratórios Probiótica eu tinha que primeiro ter certeza com o diretor financeiro que meus projetos teriam o devido financiamento.

Ele dizia assim: “Se for bom, o faremos.”

Mas bom para ele era: sem custo, com muita criatividade e que trouxesse mais vendas.

Aí eu também quero. Vida difícil, viu… vou te contar.

Em resumo, a vida real acontece na mesa do financeiro das empresas.

É lá que a realidade nua e crua acontece.

É onde o saldo diário na maioria das vezes é insuficiente para pagar a todos. É onde a frieza dos números impera sobre todas as ideias.

Financeiro tem duas bandeiras à porta.

A primeira é: “Corte custos!”

A segunda é: “Corte mais!”

Aí vem o gerente de marketing Stavros, na época eu tinha 25 anos… toc toc toc..

– Pois não!

– Carlão, tudo bem?

– Fala…

– Então Carlão, lembra daquele patrocínio que te falei, dos atletas juniores? Precisamos definir, os uniformes, uma ajuda de custo para eles e dos suplementos que estarão no pacote. Preciso elaborar os contratos e montar o cronograma com eles..

(custos, custos, custos… )

“Ajuda de custo? Que ajuda de custo? Não vai ter ajuda de custo! Vamos apenas prover os suplementos.”

(Pronto estava derrubado, em 3 segundos, o principal alicerce do meu projeto para montar uma equipe de atletas patrocinados).

Financeiros precisam pagar contas. Eles tem a exata noção do que a empresa precisa para manter as máquinas operando.

E se você precisa que eles pensem em investir na sua área, seu projeto deve deixar de ter uma cara de desejo e de coisa bonitinha e se vestir de jeito de necessidade, mas do mesmo porte que pagar a conta de luz.

Muitas e muitas vezes, vi meus projetos e projetos de muitos leads morrerem em alguns segundos na mesa do financeiro.

Já conduzi negócios por semanas a fio, para mais tarde saber que o financeiro não estava envolvido.

E aí esses negócios obviamente não prosperavam e eu morria na praia.

Ah, mas as áreas têm seu orçamento e autonomia, você pode indagar. O Diretor comercial, de marketing, de operações tem seus orçamentos aprovados e autonomia para decidir, certo?

Certo. Mas essa autonomia é tirada com um e-mail de uma frase do financeiro. Simples assim. Algo como “Pessoal, bom dia! Projetos suspensos por hora, para reenquadramento orçamentário (leia-se: não há grana)”. Pronto, a autonomia de todos foi para o espaço.

Enfim, envolva o cara do dinheiro. Ele está entrincheirado e inacessível. Sim, sim. Não é fácil.

Mas você sabe que não estamos de passeio no jardim das rosas perfumadas, certo?

Estamos no mundo corporativo e o financeiro dita quais as boquinhas receberão alimento e quais morrerão na seca.

São pessoas pragmáticas, frias e realistas, o futuro vai até a abertura do saldo de amanhã para ver quem pagou e quem está em aberto e são extremamente aversos a discursos inflamados que flutuam nas nuvens do otimismo.

Mas é onde o mundo real se desenvolve, onde sairá sua ordem de pagamento e onde aquele seu projeto pode sobreviver ou ser mais um sumariamente aniquilado no vale dos desejos.

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Stavros Frangoulidis
 

Stavros é o fundador da PaP Solutions, professor da cadeira de "Prospecção de Clientes" da ABEMD e um dos idealizadores do The Client Door. Seu foco está no conhecimento prático - trazendo o par tecnologia+marketing a serviço de uma excelente gestão de vendas com foco em captação e fidelização de clientes.

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